1/06/2020

It’s Kindergarten time, and now? E o Português como Língua de Herança como fica?



Escrito por Cristiane Galvão, Ed.D.

Quando optamos por passarmos uma língua de herança para nossos filhos, passamos por fases de inseguranças quanto à maneira na qual estamos lidando com a formação linguística deles. Além de tudo, essas inseguranças são na verdade adicionadas às preocupações que já são inerentes à maternidade. A família que opta por educar os filhos bilíngues, especialmente as que optam por passar uma língua como herança, vai lidar com certos desafios ainda mais particulares desse contexto; esses desafios podem ocorrer pela falta de pessoas que falem a língua de herança para interagir com a criança e até mesmo a falta de recursos tais como livros e atividades nas quais a criança possa ter maior exposição à língua. Tudo isso, mais uma vez, é adicionado aos desafios relacionados à rotina diária e ao desenvolvimento da criança. 
Passar uma língua de herança vai ser um processo de altos e baixos, com momentos de progressos visíveis e momentos de progressos invisíveis. Chamo de progresso visível aquele no qual notamos o uso da língua imediatamente, como num momento de repetição de palavras, por exemplo. E chamo de progresso invisível, aqueles resultados que só vamos perceber bem mais adiante no processo da comunicação da criança tais como o uso das palavras, sentenças e expressões que só vão aparecer em um momento no qual nós até já nem nos lembrávamos mais de termos ensinado para a criança. 
Tudo é um processo. Tudo na aquisição da língua de herança vai depender da quantidade de interação a qual a criança está sendo exposta. A cada fase de desenvolvimento a criança muda o seu jeito de agir, e acredite, ela vai agir assim também no processo de aquisição da língua de herança. 
Em um texto anterior eu mencionei, que aos dois anos, a minha filha parou de me responder em às interações em português. Eu sofri bastante para aceitar aquela fase, mas ter conhecimento daquelas mudanças pertinentes à idade me fez buscar suporte teórico para entender as fases que a criança vivenciava naquela idade no que se refere à aquisição de linguagem. Essa busca e o conhecimento adquirido foram essenciais para eu continuar. 
Além do desafio das mudanças inerentes às fases de desenvolvimento, o desafio da falta de falantes da língua de herança para interagir com a criança é muito comum também. Eu tenho várias amigas brasileiras, porém os filhos de algumas delas não falam português. De qualquer maneira, a minha interação com outras famílias brasileiras sempre fez parte da minha vida. 
Percebi que na minha roda de amigos, que muitas vezes, a tomada de decisão de passar a língua de herança é uma decisão da mãe. E com essa decisão, as mães acabam sendo as únicas pessoas a serem a principal fonte de exposição da criança à segunda língua. Esse fator é também um dos motivos pelos quais algumas mães deixaram de passar a língua de herança aos seus filhos. Muitas delas desistiram de passar o português para os filhos, justamente por acharem que as crianças não aprenderão tendo apenas um falante daquela língua na convivência deles.          
Os fatores culturais também são super relevantes e nesse caso e podem afetar as escolhas das pessoas. É também muito comum perceber que muitas pessoas não se sentem confortáveis em conversar com os seus filhos em um ambiente no qual ninguém mais fala aquela língua. Eu já passei por isso, mas optei por comunicar-me com a minha filha em português, pois sabia que seria para o bem dela. Mas entendo que todas essas atitudes e experiências são normais quando estamos lidando com adaptação cultural ou quando já estamos bastante imersos em uma cultura. Falo isso, pois vivi e ainda vivo isso! 
A cultura é algo que influencia fortemente a forma como agimos em prol de nós mesmos ou dos outros, portanto, criar uma criança bilíngue também é afetado pela cultura local e como vivenciamos a realidade ao nosso redor. Sendo assim, como mencionei anteriormente, algumas famílias vão optar por não passarem a língua de herança aos seus filhos. Isso é normal, natural e faz parte desse processo, afinal cada pessoa experiencia a adaptação a uma nova cultura de maneira diferente.            Porém, enfatizo que vale a pena fazer uma avaliação e ver quais são os benefícios que deixamos de passar para as nossas crianças ao nos limitarmos devido aos desafios enfrentados. E como já disse muitas vezes, os desafios existirão, serão comuns e não há como evitá-los. Entre tantos desafios que enfrentei, vou contar o mais recente.  
No ano passado, a minha filha entrou na escola. Começou o transitional kindergarten. Como antes ela passava a maior parte do tempo comigo, era fácil manter a comunicação em português. Agora, indo para a escola, já não passamos tanto tempo mais juntas como antes. O inglês, a língua materna dela é que é a língua predominante na vida dela. Na primeira semana de escola, sempre que eu ia buscá-la, ela já saía da sala de aula conversando em inglês comigo. Depois, íamos para o carro e continuávamos a conversa em inglês. Por uma semana inteira, eu percebi que eu mesma estava me comunicando com ela somente em inglês para que ela me contasse todas as coisas sobre as novidades da escola. 
Na segunda semana, atentei-me para o fato de que eu estava falando muito mais em inglês com ela do que antes e percebi também que poderia aproveitar todas aquelas novidades para ampliar o vocabulário dela em português. O contexto e o assunto eram todos tão novos, então nada melhor do que aproveitar tudo para conversarmos em português também. Então comecei a conversar com ela novamente somente na língua de herança, e assim o fazia desde o momento em que ela saia da sala de aula. Interessante é que após uma semana conversando com ela em inglês, na maior parte do tempo, ela já não me respondia em português mesmo quando eu estava falando com ela em português. Me veio o frio na barriga de novo, afinal, eu falava com ela em português e ouvia as respostas apenas em inglês. Como eu já tinha passado pela situação quando ela tinha 2 anos, não me estressei mais como havia feito antes.
Devido a isso, comecei a comentar com ela – coisa que eu nunca tinha feito antes – que eu preferia que ela me respondesse em português, afinal ela quer ir passear no Brasil e vai precisar ter o português na ponta da língua. Isso foi a primeira motivação. Depois, eu disse a ela que seria importante ela conversar comigo em português para que ela pudesse continuar se comunicando com as primas pelo Facetime. Funcionou! Ufa! Desde então, ela conversa comigo em português e quando responde algo em inglês, eu a relembro, de maneira bem sutil, afinal não quero causar bloqueios, que logo ela poderá visitar as primas no Brasil e vai ser o máximo falar com elas apenas em português. 
Ainda falando em kindergarten, eu aproveito para conversar com ela, em português, sobre tudo que a professora manda no e-mail semanal. Conversamos sobre os coleguinhas, os eventos, o calendário escolar, sobre a escolha do lanche e do almoço, etc. 
Então, it is kindergarten time, mas dá tempo de aproveitar tudo que acontece para manter o português como língua de herança. Se você está vivendo algo semelhante, não desanime! Qualquer coisa me chama e podemos conversar. 

Você pode ouvir a este texto aqui: PLH by Cristiane Galvão

No comments:

Post a Comment

Wordwall

I have recently used the feature "assignments" from Wordwall with my students. An interesting aspect of this feature is that I can...